domingo, 25 de abril de 2010

Filhos


''Podemos sair de casa há anos, e o quarto que abandonamos é conservado pelos pais. Não modificam uma vírgula de nossa letra. Não alugam, não fazem reforma, não mudam as estantes, não trocam a pintura, a fechadura e os tapetes. Nós alteramos a infância, não os pais, que em qualquer idade nos enxergarão pequenos. Nos enxergarão como se ainda fosse possível resolver a tristeza e a dor com um colo.

Quando voltamos para residência familiar, separados ou exilados, desempregados ou desencantados, descobrimos o quanto eles nos amam. Amam a criança que fomos. Nenhuma boneca foi jogada fora, enfileiradas pelo tamanho. Nenhum carinho desperdiçado. As canetas coloridas da escola guardam tinta. As agendas estão na gaveta, com as fotos dos amigos e as primeiras confidências. Os pôsteres das bandas de rock, que hoje nem fazem sentido, permanecem atrás da porta branca. As revistas proibidas seguem escondidas em uma madeira solta debaixo da cama. A mesma cômoda onde escrevemos cartas de amor e varamos a noite estudando para provas. O mesmo abajur preto, com problemas de contato. O mesmo enxoval, como se tivéssemos passado um longo final de semana fora (um final de semana que pode ter durado vinte anos), e retornássemos de uma hora para outra. O mesmo travesseiro com cheiro de nosso pijama. Os mesmos cabides e espelho. Até a pantufa nos aguarda, com a plumagem desalinhada de ovelha.

Tudo em ordem e recente, a apagar que lacramos a porta com um adeus, a esquecer que viramos o rosto para sermos felizes com nossas famílias. Os filhos são dramáticos e se despedem com adeus, mas vão voltar e voltam, mesmo que seja para se despedir verdadeiramente.

E não é apenas a aparência do quarto que resiste intacta. É o jeito como os pais nos tratam, sem censura e castigo, sem julgar as escolhas e precipitar arrependimentos. Em silêncio, a mãe fará o bolo de laranja predileto. Ruidoso, o pai perguntará se não queremos caminhar com ele. Ao sair, a mãe dirá para não esquecer o casaco, o pai avisará para nos cuidar e voltar cedo. O tratamento é idêntico, insuportavelmente idêntico à adolescência. A velhice não ameaça o amor.

Apesar de confiarmos que somos outros, os pais continuam nossa vida. Não interessa a cor de cabelo, a tatuagem, o piercing, a cicatriz, a ferida, a alegria ressentida, os fios grisalhos e os divórcios, os pais acreditam que somos os mesmos. Somos as crianças que eles deixaram crescer.''


Carpinejar

sábado, 24 de abril de 2010

Inacabada


Sabe aquele dia que as 24 horas são insuficientes e cada uma delas parece passar voando....pois bem, hoje foi um dia desses.To querendo férias!!! Férias de relógio, férias de trânsito, férias de vozes ao meu redor, férias de cobranças e imperfeições. Desejo o silêncio de um lago onde apenas a brisa toque por sobre sua água fria e a faça mexer devagar, provocando pequenas ondulações nessa imensa parede d´àgua lisa e tão dona de si.Andar descalça por sobre a terra batida e molhada sentindo o cheiro de chuva pairando no ar, me convidando a ir mais e mais além.Ter tempo para escutar esse silêncio sozinha, passando as mãos pelas folhas molhadas, respingadas pela chuva recente fazendo com que uma camada de água caia sobre mim.Sentada sobre algum banco de madeira encolhendo as duas pernas para perto do peito e abraçando os joelhos...deixando-os seguros assim para poder permanecer quanto tempo puder ficar assim absorta, perdida em mim, tentando me achar.Voltar para casa sem pressa de chegar ou obrigações a fazer.Tomar uma taça de vinho à luz de velas, um belo banho bem perfumado e num roupão aconchegante poder me sentar e ler em paz o livro escolhido ou quem sabe parar para pensar na vida, pensar em alguém,fazer amor escutando uma música bem gostosa, suave, como a da Sarah Maclachlan- I Love you e refletindo o porquê das coisas serem tão complicadas.Será que somos nós que as fazemos assim? Nem sempre podemos dar ou receber alguma coisa que merecemos.Outras vezes, o tempo é cruel e nos faz perceber tarde demais o que perdemos em algum trecho da vida e agora reconquistar...é impossível.Os ponteiros quando desacertam, dificilmente baterão na mesma medida novamente, não com a mesma intensidade, não com a mesma musicalidade de outrora.O encanto ...uma vez perdido, continua perdido entre as decepções e mágoas. Nem tudo e nem sempre se consegue consertar e as reincidências que ocorrem, mesmo que pequenas e sem intenção de machucar...acontecem o tempo todo, dia após dia.Meu medo só não é maior que meu vazio. Emoções não me faltam , que me falta é a oportunidade de vivenciá-las de maneira pura, intensa, provocante, viva, pulsante, inteira, apaixonada, delicadamente... dias e dias perdida nesse prazer imenso de saborear uma única vez o gosto da cumplicidade e de poder olhar nos seus olhos,e ver neles meu reflexo brilhante...em cada piscada longa e demorada como se assim pudéssemos nos entender...sem palavras precisar para transmitir o que se quer....o desejo que lhe vai no íntimo. Restam sonhos...

Vylna Cassoni