quarta-feira, 30 de junho de 2010

O Casal Perfeito - Por Lya Luft


A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres. Isso eu disse e escrevi - e repito - em dezenas de palestras por este país afora.
Aí me pedem para escrever sobre o casal perfeito: bom para quem gosta de desafios.O casal perfeito seria o que sabe aceitar a solidão inevitável do ser humano, sem se sentir isolado do parceiro - ou sem se isolar dele? O casal perfeito seria o que entende, aceita, mas não se conforma, com o desgaste de qualquer convívio e qualquer união?
Talvez se possa começar por aí: não correr para o casamento, o namoro, o amante (não importa) imaginando que agora serão solucionados ou suavizados todos os problemas - a chatice da casa dos pais, as amigas ou amigos casando e tendo filhos, a mesmice do emprego, chegar sozinha às festas e sexo difícil e sem afeto.Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do "enfim nunca mais só!", porque aí é que a coisa começa a ferver.
Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, o incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos.Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito. Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar. A querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não veio o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor.E a gente explode e quer matar e morrer, quando cai aquela última gota - pode ser uma trivialíssima gota - e nos damos conta: nada mais é como era no começo. Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não sei o que fazer. Como a gente não desiste fácil, porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os filhos, os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um jeito de recomeçar, reconstruir.
Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa relação. O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, não o meio. Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas que ouvi: "Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi de novo como minha mulher".Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente. Ao menos de vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida? Quero continuar vivendo assim? Se não quero, o que posso fazer para melhorar? Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser melhoradas. Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer uma viagem, de mudar de profissão.
Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria, realização e sobre tudo abertura com o outro. Velhos casais solitários ou jovens casais solitários dentro de casa são terrivelmente tristes e terrivelmente comuns.
É difícil? É difícil. É duro? É duro. Cada dia, levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Hélio ellegrino. Viver é um heroísmo, viver bem um amor mais ainda. O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho de que, apesar dos pesares, a gente, a cada dia, se escolheria novamente, e amém.
"Esse assunto tem me perseguido por todos os lados... quem sabe assim liberando os escritos alheios eu me liberte dessa perseguição?

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Monólogo




-Mas, eu descobri que te amo!


-Que legal!Mas, na verdade é uma pena isso.


-Porque?


-Porque eu te descobri lá atrás, desde o começo, e você...só me descobriu depois que perdeu!






Vylna Cassoni




Quando me perguntarem


Se eu me lembro de você,




Vou dizer que não,




afinal, é a verdade






A gente não pode se lembrar






de


quem não se esquece...


Lady



Uma brasileira à flor dos pelos!!!

quinta-feira, 24 de junho de 2010



"As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!"

Sain´t Exupéry ( O pequeno princípe)

Confesso que não é tarefa fácil colocar um ponto final de uma hora pra outra nessas histórias.
Somos seres românticos, abduzidos pelos finais felizes dos filmes e livros.
A gente sempre acha que alguma coisa vai mudar, que ele vai perceber tudo o que está perdendo e vai aparecer com flores na porta da nossa casa. Mas a realidade é diferente.
Não somos a Julia Roberts, não estamos numa comédia romântica e, na vida real, homens são simples e previsíveis.
Quando eles querem alguma coisa, não há nada - nem ninguém - que os impeça.
Portanto, anotem aí: quando um cara está afim de você, ele vai te liga, ele vai te procurar, ele vai te beijar, ele vai querer estar sempre com as mãos em cima de você. Não sou radical, apenas cansei de dar desculpas pra erros que não são meus. Ou são. Afinal um cara bacana sempre dá pistas de que é babaca.
Só não enxerga, quem não quer.

Fernanda Mello

quarta-feira, 23 de junho de 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

o Semeador de estrelas...


Kaunas, segunda cidade da Lituania, 100 Km de Vilnius... 10 horas da noite




Kaunas, segunda cidade da Lituania, 100 Km de Vilnius... 10 horas da manha...


PS: meu nome veio dessa capital, Vilnius....mas meu pai deu à ele seu toque de charme pessoal, colocando o Y para diferenciar.

Sabe o que descobri?
O teu abraço tem o formato do meu corpo!

Vylna Cassoni

"A imaginação é como um braço extra, com o qual você pode
agarrar coisas que de outra forma não estariam ao seu
alcance."
Sartre.

Quero de ti apenas o impossível.


Aquele dia tornou-se memorável.
Coisas boas, outras nem tanto estavam inseridas nele. Mas a principal estava. Nós.
Palavras , gestos, objetos, pessoas indo e vindo e o que importava era o olhar e o desviar.
Sentados ali à um canto, seus dedos à percorrerem minha pele alva, aflorando dela sentidos contidos e deixando assim exposto o significado de meus pêlos altos salpicados de bolinhas que como num belo balet, fazia a "ola" a cada toque.
De olhos fechados, sabia extamente o que olhavas, o que fazias, o que querias.
Quero de ti apenas o impossível.
Impossível não gostar,impossível apressar, impossível ter,impossível continuar, impossível ser meu, e mesmo assim o impossível aconteceu.Por um breve tempo foi meu.Foi meu o olhar, o tocar, abraçar, beijar,ver-te tentar decifrar nas aguás verdes de meus olhos o improvável, aquilo que jamais revelei antes...Foi meu o riso, o suspiro, o nó de tuas mãos nas minhas, as palavras,as explicações desnecessárias agora e até mesmo a falta delas outrora.
Tenho necessidade de guardar-te para sozinha remexer e novamente apreciar o que tive privilégio de vivenciar com você.
O que antes era certeza, depois de você tornou-se essencial.
Me mostrou a sutil capacidade de amar e conviver nas 24 horas do dia uma cumplicidade jamais experimentada.
Te conheço.Me conheces.
Posso antecipar suas palavras e você meus gestos e , por saber-te demais que acabo por entristecer pela insensata situação de permanecer assim, diuturnamente presa ao que é impossível...
Quero de ti apenas o impossível.
Impossível ser meu...


Vylna Cassoni
22/06/2010.

sábado, 19 de junho de 2010


Terei saudades de ti,ou da inocência que tinha quando te conheci?

Inês Pedrosa

"Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber".

(Clarice Lispector)

PS: os meus também Clarice...

"furtado do blog da Vanessa"...sorry...

Que coisas são essas que me dizes, escondidas, atrás do que realmente quer dizer?Tenho me confundido na tentativa de te decifrar, todos os dias.Mas confuso, perdido, sozinho, minha única certeza é que de cada vez aumenta mais minha necessidade de ti.Torna-se desesperada, urgente. Eu já não sei o que faço.Não sinto nenhuma outra alegria além de ti.Como pude cair assim nesse fundo poço? Quando foi que me desequilibrei?Não quero me afogar: quero beber tua água.Não te negues, minha sede é clara.


Caio Fernando Abreu in : O essencial da década de 80.

Ensaio sobre a cegueira


Ontem perdemos um grande nome da literatura, José Saramago( 1922/2010).Felizmente, sua mente brilhante perpetuará através das suas obras como "Ensaio sobre a cegueira"que tem até um filme e segundo o próprio Saramago, bem fiel ao seu livro.Vou deixar aqui meus sentimentos com um resumo sobre esse livro.

Resumo do Livro:
"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

Palavras de José Saramago, na apresentação pública do seu romance Ensaio sobre a Cegueira.

"Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

Resumo da Obra

Um dia normal na cidade. Os carros parados numa esquinas esperam o sinal mudar. A luz verde acende-se, mas um dos carros não se move. Em meio às buzinas enfurecidas e à gente que bate nos vidros, percebe-se o movimento da boca do motorista, formando duas palavras: "Estou cego".

O homem dentro do carro esbraceja, grita, mas não consegue escapar da cegueira branca que inunda seus olhos. É uma cegueira diferente, luminosa, como se ele tivesse mergulhado de olhos abertos num "mar de leite". Apesar disso, seus olhos tem uma aparência normal.

As pessoas o ajudam a sair do carro e ele, entre lágrimas, implora que alguém o leve para casa. Um homem oferece-se para ir dirigindo seu carro. Como não havia local disponível para estacionar na rua da cada do cego, ele desceu do carro e ficou esperando o homem, que estacionou numa rua transversal. Subiram até o apartamento, que ficava no 3º andar. O homem quis aguardar até que a mulher do cego chegasse, mas este, com medo daquele estranho, preferiu recusar a oferta.

Quando a mulher chega e o marido lhe conta que está cego, ela custa a acreditar, depois desespera-se e liga para o primeiro oftalmologista que encontra na lista telefônica, marcando uma consulta urgente.

O cego aguarda em frente ao prédio enquanto sua mulher vai buscar o carro na rua em que ele disse estar estacionado, com sua própria chave, pois o homem que levou-o para casa não entregou-lhe a chave. Ela volta com um táxi , pois aquela "boa alma" roubou-lhes o carro.

Na sala de espera do consultório estavam um velho com uma venda preta, um rapazinho estrábico e sua mãe, uma rapariga de óculos escuros e mais duas pessoas. Passaram o cego na frente dos outros pacientes e, depois de examiná-lo minuciosamente por duas vezes, o médico conclui que não há nada de errado com seus olhos; estavam aparentemente perfeitos. Pediu alguns exames mais detalhados e, quando saíram, ficou pensativo, nunca vira coisa parecida em toda sua vida.

O sentimento de culpa foi tomando conta do ladrão do carro. Quando se ofereceu para ajudar o cego, ainda não tinha o roubo em mente; a idéia só lhe apareceu quando estava em direção à casa do cego. Sentia-se mal estando sentado no mesmo lugar onde um homem sadio acabara de cegar. Nervoso, o ladrão redobrou a atenção e começou a controlar o carro para que nunca tivesse que parar num sinal vermelho. Estava à beira de um ataque de nervos e o barracão para onde costumava levar os carros roubados ficava longe dali. Então, parou o carro, desceu para tomar um pouco de ar, andou um pouco e, de repente, cegou. Foi encontrado por um policial que o levou para casa, desta vez não por ter roubado, o policial não sabia disto, mas sim por não ser capaz de orientar-se sozinho.

O caso da rapariga dos óculos escuros era simples, apenas uma conjuntivite. Quando saiu do consultório, já à noite, chamou um táxi, passou na farmácia e comprou o colírio que o médico lhe receitara. A bela rapariga dos óculos escuros era uma prostituta e tinha um encontro marcado num hotel aquela noite. Depois do explosivo encontro amoroso, ainda via tudo branco, mas não era por causa do êxtase que sentia, ela também cegara. Nua e aos gritos, a rapariga foi vestida às pressas e colocada para fora do hotel. Um policial extremamente grosseiro levou-a para a casa dos pais num táxi.

Depois de atender todos os pacientes, o médico ligou para um amigo e falou sobre o caso. A princípio suspeitaram de uma agnosia ou amaurose, mesmo sabendo que ambas as doenças tratavam-se de cegueira negra, o oposto do que descrevia o cego. Resolveram marcar uma nova consulta para examinarem juntos o paciente. Chegando em casa, o médico ficou até altas horas pesquisando sobre o assunto em seus livros. Quando resolveu guardá-los para ir se deitar, o médico cegou. Deitou-se devagar para que a mulher não notasse e passou a noite toda em claro, pensando que, como oftalmologista, deveria avisar as autoridades competentes sobre a "treva branca" altamente contagiosa que estava a se espalhar. Quando, na manhã seguinte, contou à sua mulher que estava cego, ela abraçou-o com força, apesar de ele ter tentado afastá-la por medo do contágio, preparou o café e ajudou-o a telefonar para as autoridades. Diante da grosseria com que fora tratado, resolveu avisar diretamente o diretor clínico de onde trabalhava e este se encarregaria de fazer os outros contatos. A essa altura, já tinham notícia da cegueira do rapazinho estrábico, da rapariga dos óculos escuros e do ladrão. O ministério pediu que ele arrumasse as malas, pois mandariam uma ambulância para buscá-lo, mas não avisaram para onde ele seria levado. Quando a ambulância chegou, a mulher ajudou o marido a acomodar-se, guardou as malas e sentou-se ao seu lado. O motorista da ambulância informou que só poderia levar o médico, mas a mulher disse que também teria que ser levada, pois acabara de cegar.

O ministro teve a "brilhante idéia" de deixar todos os cegos e as pessoas que tiveram contato com eles de quarentena, uma quarentena diferente das outras, pois esta ninguém sabia o quanto poderia durar.

O local escolhido foi um manicômio desativado. Havia duas alas: uma seria ocupada pelos cegos, e a outra, pelas pessoas que tiveram contato com eles. Conforme as pessoas da última ala fossem cegando, atravessariam o corredor e se instalariam na outra ala.

Os primeiros a chegar no manicômio foram o médico e a mulher. Havia uma corda esticada do portão à porta do prédio, a qual serviria para orientar os cegos. Subiram as escadas, a mulher guiou o marido até o fundo da camarata mais próxima e deixou-o lá sentado, enquanto ia conhecer melhor o local.

As camaratas eram compridas, com duas filas de camas pintadas de cinza e roupas de cama da mesma cor. Havia várias camaratas, corredores estreitos e longos, gabinetes, banheiros, uma cozinha, um refeitório, três salas acolchoadas e forradas com cortiça; do lado externo, uma cerca e algumas árvores mal cuidadas. Havia lixo por todos os lados e camisas-de-força dentro dos armários.

Só quando a mulher retorna e conta para o marido que o local onde estão é um manicômio, é que ele percebe que ela não está cega. A mulher do médico fingiu estar cega para poder ficar junto com o marido e ajudá-lo.

Os outros cegos chegaram juntos: o primeiro cego, o ladrão, a rapariga dos óculos escuros e o rapazinho estrábico, sem a mãe. Sentaram-se na primeira cama com a qual tropeçaram. Nesse momento, ouve-se uma voz forte e seca no auto-falante fixado em cima da porta:

Atenção! Atenção! Atenção!O Governo lamenta ter sido forçado a exercer energicamente o que considera ser seu direito e seu dever, proteger por todos os meios as populações na crise que estamos a atravessar, quando parece verificar-se algo de semelhante a um surto epidêmico de cegueira, provisoriamente designado por mal-branco, e desejaria poder contar com o civismo e a colaboração de todos os cidadãos para estancar a propagação do contágio, supondo que de um contágio se trata, supondo que não estaremos apenas perante uma série de coincidências por enquanto inexplicáveis. A decisão de reunir num mesmo local as pessoas afetadas, e, em local próximo, mas separado, as que com elas tiveram algum tipo de contato, não foi tomada sem séria ponderação.

O Governo está perfeitamente consciente das suas responsabilidades e espera que aqueles a quem esta mensagem se dirige assumam também, como cumpridores cidadãos que devem ser, as responsabilidades que lhes competem, pensando que o isolamento em que agora se encontram representará, acima de quaisquer outras considerações pessoais, um ato de solidariedade para com o resto da comunidade nacional. Dito isto, pedimos a atenção de todos para as instruções que se seguem, primeiro, as luzes manter-se-ão sempre acesas, será inútil qualquer tentativa de manipular os interruptores, não funcionam, segundo, abandonar o edifício sem autorização significará morte imediata, terceiro, em cada camarata existe um telefone que só poderá ser utilizado para requisitar ao exterior a reposição de produtos de higiene e limpeza, quarto, os internados lavarão manualmente as suas roupas, quinto, recomenda-se a eleição de responsáveis de camarata, trata-se de uma recomendação, não de uma ordem, os internados organizar-se-ão como melhor entenderem, desde que cumpram as regras anteriores e as que seguidamente continuamos a enunciar, sexto, três vezes ao dia serão depositadas caixas de comida na porta de entrada, à direita e à esquerda, destinadas, respectivamente, aos pacientes e aos suspeitos de contágio, sétimo, todos os restos deverão ser queimados, considerando-se restos, para este efeito, além de qualquer comida sobrante, as caixas, os pratos e os talheres, que estão fabricados de materiais combustíveis, oitavo, a queima deverá ser efetuada nos pátios interiores do edifício ou na cerca, nono, os internados são responsáveis por todas as conseqüências negativas dessas queimas, décimo, em caso de incêndio, seja ele fortuito ou intencional, os bombeiros não intervirão, décimo primeiro, igualmente não deverão os internados contar com nenhum tipo de intervenção do exterior na hipótese de virem a verificar-se doenças entre eles, assim como a ocorrência de desordens ou agressões, décimo segundo, em caso de morte, seja qual for a causa, os internados enterrarão sem formalidades o cadáver na cerca, décimo terceiro, a comunicação entre a ala dos pacientes e a ala dos suspeitos de contágio far-se-á pelo corpo central do edifício, o mesmo por onde entraram, décimo quarto, os suspeitos de contágio que vierem a cegar transitarão imediatamente para a ala dos que já estão cegos, décimo quinto, esta comunicação será repetida todos os dias, a esta mesma hora, para conhecimento dos novos ingressados. O Governo e a Nação esperam que cada um cumpra o seu dever. Boas noites.

Após o silêncio, o ladrão levanta-se e acusa o primeiro cego de ser o culpado da tragédia, diz que se não o tivesse ajudado a ir para casa, não teria cegado. Agora o primeiro cego percebe que o outro homem é o ladrão que roubou seu carro e começam a discutir. O ladrão avança sobre ele e rolam por entre as camas, até que o médico e sua mulher conseguem separá-los.

O rapazinho estrábico pede para fazer xixi e, ouvindo isso, surge em todos uma grande vontade de urinar. Decidem ir todos juntos à procura do banheiro. Na fila vão: a mulher do médico, a rapariga segurando o rapazinho pela mão, o ladrão, o médico e, por fim, o primeiro cego.

O ladrão, aproveitando-se da situação, começou a acariciar a nuca e os seios da rapariga. Esta deu-lhe um coice e o salto de seu sapato fincou-se na coxa do homem. O sangue corria pela perna e a mulher do médico, vendo o aspecto ruim da ferida, levou-o à cozinha, com a ajuda do marido, lavou o ferimento e amarrou a camisola do ladrão ao redor.

Voltaram para procurar o banheiro, mas o rapazinho já havia feito xixi nas calças. Depois de satisfazerem suas necessidades, voltaram para a camarata, e contaram as camas para ficar mais fácil de encontrá-las depois. O rapazinho tinha fome, mas teria que esperar até o dia seguinte. Deitaram-se e dormiram.

A mulher do médico foi a primeira a acordar. Observando os cegos dormindo e a sujeira ao redor, a mulher do médico desejou com todas as suas forças estar cega também.

Nesse momento, ouve-se uma gritaria vinda do corredor. Cinco pessoas da outra ala cegaram e foram empurradas para a ala dos cegos. Eram eles: o policial, que encontrou o ladrão na rua a gritar; o motorista de táxi, que levou o primeiro cego ao médico; o ajudante de farmácia, que vendeu o colírio à rapariga dos óculos escuros; a criada de hotel, que socorreu a rapariga quando esta cegou; e a empregada de escritório, que é a mulher do primeiro cego.

O auto-falante avisou que a comida podia ser recolhida. O cego e sua mulher saíram para pegar a comida e aproveitaram para pedir aos guardas os medicamentos para o ferido, mas estes tinham ordens expressas de não deixar entrar nada além de comida.

À tarde chegaram mais três cegos: a empregada do consultório médico, o homem que estivera com a rapariga no hotel e o policial grosseiro que a levou para a casa dos pais. Mal se instalaram e um rebanho de cegos entrou na camarata. Todas as camas foram ocupadas.

Na madrugada, o ladrão resolveu ir ele próprio pedir ajuda aos guardas, imaginando que estes sentiriam pena ao vê-lo naquele estado lamentável. Rastejou, cheio de dores, até o portão. Ao ouvir os ruídos, o soldado foi verificar o que estava acontecendo, assustou-se com o cego e deu-lhe um tiro no meio da cara. O sargento, acordado com o barulho da rajada, ordenou que quatro cegos viessem recolher o corpo.

Fonte: Autoria: Renato Almeida Silva