terça-feira, 26 de outubro de 2010

Novo livro de Martha Medeiros: " Fora de mim"






"A primeira vez que eu disse que te amava foi depois de uma transa, uma das nossas primeiras, e eu me surpreendi com o que havia dito, porque ao contrário de você, sou econômica nas declarações, mas as palavras saíram de mim como num gozo, sem controle, eu mal te conhecia e de dentro de mim saiu aquele te amo com uma voz que era a minha, porém num tom mais leve e de uma sinceridade que me comoveu, te amo, e também nunca mais parei, e nunca vou parar, te amo e quero te matar, queria que você evaporasse, onde é que eu te incinero, te escondo, te enterro, me conta onde fica esse esconderijo secreto, o mesmo onde você sumiu com todos os eu te amo que me disse."













Essa é uma das lembraças de uma mulher recém-separada, protagonista de "Fora de Mim", novo livro de Martha Medeiros, autora do best-seller "Divã", adaptado com sucesso para o cinema com destaque para o elogiado trabalho de interpretação da atriz Lília Cabral. Com um estilo visceral, a autora descreve cada momento de dor e sofrimento que devasta uma mulher após uma grande paixão malsucedida.













Leia trecho de "Fora de Mim".





Eu sabia que terminaríamos, eu sabia que era uma viagem sem destino, sabia desde o início e não sabia, não sabia que doeria tanto, que era tanto, que era muito mais do que se pode saber, ninguém pode saber um amor, entender um amor, tanto que terminou sem muito discurso, foi uma noite em que você quase pediu, me deixe. Ora, pra que me enganar: você realmente pediu, sem pronunciar palavra, você vinha pedindo, me deixe, olhe o jeito que te trato, repare em como não te quero mais, me deixe, e eu, de repente, naquela noite que poderia ter sido amena, me vi desistindo de um jantar e de nós dois em menos de dez minutos, a decisão mais rápida da minha vida, e a mais longa, começou a ser amadurecida desde o dia em que falei com você pela primeira vez, desde uma tarde em que ainda nem tínhamos iniciado nada e eu já amadurecia o fim, e assim foi durante os dois anos em que estivemos tão juntos e tão separados, eu em constante estado de paixão e luto, me preparando para o amor e a dor ao mesmo tempo, achando que isso era maturidade. Que idiota eu sou, o que é que amadureci? Nada, nem a mim mesma, jamais deixei de ter 10 anos, nem quando tive 30, nem quando fiz 40. Nunca tive idade, ela de nada me serviu, ser lúcida sempre foi apenas uma maneira de parecer elegante, uma estratégia para a convivência. Você lembra como eu chorei aquela noite, lembra do fim, você não pode ter esquecido aquela cena, entramos em casa sem acender as luzes, você olhando para fora da janela enquanto eu derramava toda a minha frustração e meu desespero, como se a culpa fosse minha e não sua, ou fosse sua e não minha, como se existisse culpa para o término de um relacionamento que simplesmente não tinha mais combustível, nem mais estrada. Faz quanto tempo desde aquela cena? Eu consigo enxergá-la por vários ângulos, vejo você de costas pra mim, parecia um soldado, tão ereto, em vigília de si mesmo, querendo saltar do terceiro andar, sair sem precisar passar pela porta, sem passar pelo adeus, e eu, curvada, amparada em algum móvel, demolida, e então, na cena seguinte, nós de frente um para o outro, mas com as cabeças abaixadas, você não queria ver meu rosto, e eu estava espantada com o seu, tão sereno, aliviado, quanto tempo faz, 15 minutos, vinte minutos desde que você saiu aqui de casa? Eu ainda estava quieta agora há pouco, eu ainda estava sem pensar e sem sentir, de repente me deu uma calma, nenhuma desgraça aconteceu, você desceu pelas escadas, eu fechei a porta do apartamento e não chorei mais, eu vi pela janela o seu carro saindo da garagem e não chorei, eu fui para o banheiro escovar os dentes, acho que escovei os dentes, não lembro, e botei uma camisola e fui pra cama e não chorei, não pensei, não senti, não chorei, entendi, não entendi, não pensei, não sei, acho que dormi.

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